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Devemos combater o estereótipo do jovem brasileiro ‘apático’ e criar caminhos para mudar a realidade de baixa mobilidade social que enfrentamos em nosso país
Em um Brasil anterior à pandemia, os jovens já ocupavam o topo de um triste ranking: figuravam entre os cidadãos com maior dificuldade para a inserção no mercado de trabalho. A situação mais grave atingia aqueles com idade entre 18 e 24 anos, com pouca ou nenhuma experiência profissional — entre eles, a taxa de desocupação era maior que o dobro da geral. No primeiro trimestre de 2017, esses jovens representavam 27,3% dos desocupados. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), na Síntese de Indicadores Sociais de 2019, registrou um contingente juvenil de quase 11 milhões de brasileiros que não estudam nem trabalham; 23% da população entre 15 e 29 anos.
Esse contexto nacional tende a se agravar com a crise econômica global que está em marcha. De acordo com estimativas da Organização Internacional do Trabalho, de cada cinco jovens no mundo, um teve que parar de trabalhar por conta da pandemia. O alerta é de que o choque é triplo para os jovens, pois afeta os empregos atuais, interrompe o processo educacional e coloca obstáculos no caminho dos que estão tentando ingressar no mercado ou mudar de emprego.
No país, os jovens das classes C, D e E enfrentam, ainda, o desafio do estereótipo. Há muita confusão e uma disseminação de ideias equivocadas sobre a chamada “Geração Nem-Nem”. As informações incompletas levam a pensar que eles são preguiçosos, que não querem trabalhar nem estudar — desejam viver à custa das famílias. Entretanto, eles não estão necessariamente inativos. É preciso entender os números. A explicação para o contingente de jovens nessa situação reside, em grande parte, na falta de oportunidades capazes de prepará-los para as profissões do presente e do futuro. A análise do mito do desinteresse em trabalhar e estudar requer a leitura correta e empática dos dados.
JOVENS NÃO CONSEGUEM EMPREGO PORQUE NÃO TÊM EXPERIÊNCIA, MAS COMO CONSEGUIR EXPERIÊNCIA SE NINGUÉM DÁ A PRIMEIRA CHANCE?
Estatísticas apontam que a condição “Nem-Nem” atinge, especialmente, a juventude em situação de vulnerabilidade socioeconômica. A segregação socioespacial dos empregos é um grande impeditivo para os jovens que moram nas periferias, onde a oferta de trabalho pode ser até 100 vezes menor, de acordo com o projeto ReSolution. O CEP também tem sido, historicamente, fator de descarte de candidatos em processos seletivos.
É preciso entender que esses jovens não estão acessando oportunidades para desenvolver uma trajetória acadêmico-profissional na idade adequada. O que vemos é que estão em busca de emprego, e a maioria trabalha em casa: cuidam de parentes mais novos ou idosos; apoiam, sobretudo, a família em atividades pelas quais não recebem remuneração. De modo simples e direto: devemos combater o estereótipo do jovem brasileiro “apático” e criar caminhos para mudar a realidade de baixa mobilidade social que enfrentamos em nosso país.
Entre os que buscam empregos, há relatos de diversas barreiras, sendo uma das principais o custo do transporte para entrevistas. A falta de histórico profissional também é apontada como um limitador para o acesso a muitas vagas: 77% alegam que a exigência de experiência anterior é o maior obstáculo na hora de arranjar o primeiro emprego. Para muitos, a experiência informal — sem registro na carteira de trabalho ou contrato — não ajuda no processo. Isso limita as oportunidades de quem está entrando no mercado de trabalho. Um ciclo danoso: jovens não conseguem emprego porque não têm experiência, mas como conseguir experiência se ninguém dá a primeira chance?
Outro ponto pertinente de análise diz respeito à descontinuidade dos estudos. Quando pensamos no que motiva a evasão do ensino fundamental e médio na escola pública, uma das razões é a desconexão dos conteúdos com a realidade do aluno. A educação não dialoga com as demandas do presente, tampouco prepara para o futuro: muitos alegam o abandono em prol da busca pela independência financeira via trabalhos esporádicos e informais. A desistência de prosseguir nos estudos também está associada a uma série de problemáticas sociais, como o alto índice de gravidez na adolescência, a falta de apoio para construir projetos e pouca preparação para o futuro profissional via capacitação técnica, como o ensino superior. Sem outros diplomas, os jovens reduzem a chance de acessar empregos ou melhores salários.
Um estudo do Banco Mundial, conduzido em 2018 com jovens de 15 a 29 anos em Pernambuco, levantou três perfis de “Nem-Nem”: os que estão em busca de um emprego, mas não o conseguem por falta de experiência ou barreiras externas; os que têm o desejo de trabalhar, mas não sabem como articular essa procura por falta de referências e de projeto de vida, ou seja, barreiras internas; e o terceiro perfil, aplicável às meninas que, por influências culturais e familiares, acham que trabalhar fora de casa ou estudar não é para elas — e que o seu papel é cuidar da casa. Precisamos desenvolver políticas públicas que considerem as especificidades socioculturais e econômicas para as reais barreiras que impedem que jovens tenham acesso à qualificação e ao emprego digno, levando em conta também os diferentes momentos de vida desses jovens.
Quanto às soluções que endereçam esse enorme desafio da empregabilidade dos jovens, vemos a importância de respostas advindas de diferentes esferas — políticas públicas, negócios e parcerias intersetoriais. A demanda é por projetos que vão além do investimento financeiro, rumo a uma proposta de orientação sobre setores nos quais estão os emprego, desenvolvimento de competências para que consigam essas vagas, e abertura de portas para as primeiras oportunidades.
Os desafios são imensos, mas a maioria dos jovens brasileiros se mantinha otimista em relação à educação e ao futuro profissional antes da pandemia: 77% aspiravam acessar o ensino superior e 80% tinham expectativa de alcançar o emprego desejado, de acordo com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). A esses jovens brasileiros, devemos um futuro digno; devemos um país no qual os sonhos das novas gerações são compartilhados e incentivados pelas anteriores.
Maure Pessanha e Juliana Campedelli
Diretora-executiva da Artemisia e gerente de comunicação e marketing da Artemisia.
Maurício de Almeida Prado e Breno Barlach
Diretor-executivo da Plano CDE e diretor de pesquisa e inovação da Plano CDE.
Texto publicado originalmente no Nexo Jornal.
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