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Tendências são reflexos de campo que amadurece e se sofistica à medida que se conecta com a realidade da população brasileira mais vulnerável economicamente
Em um mundo marcado por transformações aceleradas, acredito que o mapeamento de tendências é a arte de observar criticamente o presente para projetar o que será o futuro. Quando pensamos no universo dos negócios de impacto social, esse olhar deve ser permeado pela missão de detectar movimentos sociais emergentes que respondem a desafios enfrentados pela população em situação de vulnerabilidade social. Na semana passada, abordei as cinco primeiras tendências mapeadas pela equipe da Artemisia: internet das coisas e inteligência artificial; alimentação; habitação; energia; e saúde. Retomo a segunda e última parte dessa série com mais cinco tendências que têm a inovação como traço comum.
A sexta tendência aborda a arquitetura de escolhas, termo cunhado por Richard Thaler, prêmio Nobel de Economia, no livro Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth and Happiness. Quando pensamos em negócios de impacto social, com o uso de nudges — definido como gatilhos ou estímulos que auxiliamo usuário a tomar decisões que racionalmente o beneficiam e preservam a liberdade de escolha –, podemos atuar na mudança de comportamento do indivíduo, a partir de estímulos que criam novos hábitos. O impacto vai de melhores decisões para a saúde, a educação até a redução do endividamento, como detalhei no post Startup cria robôs que ajudam na mudança de hábitos, da educação às finanças.
Os novos modelos de civic techs formam a sétima tendência. As empresas focadas em promoção de transparência; diminuição de assimetrias de informação — tornando os dados dos governos mais acessíveis; engajamento dos cidadãos; e promoção do senso de comunidade (crowdfunding cívicos) devem crescer nos próximos anos e ganhar peso dentro das iniciativas alinhadas ao conceito “governo aberto”. São soluções que transformam a tecnologia em instrumento de apoio ao poder público para o desenvolvimento de soluções de inovação aberta; interlocução com cidadãos; e apoio na resolução de desafios apresentados pela saúde pública e pela educação, por exemplo.
A oitava tendência está ancorada na proposta de olharmos para fora dos centros e focarmos em mais opções para os deslocamentos diários, pensando mobilidade, tendo por perspectiva dois pontos: o acesso a serviços básicos e a ampliação da disponibilidade e compartilhamento. Possibilitar o acesso a serviços básicos como saúde, cultura e educação ao levar essas soluções para comunidades periféricas, reduzindo distâncias ou facilitando o deslocamento da população a hospitais, escolas, entre outros locais.
Entre os exemplos dessa tendência, espaços móveis que permitam o atendimento médico em regiões remotas; serviço de atendimento emergencial; inovação em sistema de transporte escolar; e soluções que ampliem a segurança no deslocamento de estudantes aos locais de ensino. Também é importante ampliar a oferta de modais de transporte ou serviços de compartilhamento a um custo acessível, que não estão disponíveis em determinadas regiões. Como exemplos, serviços de transporte sob demanda em áreas de risco; novos meios de transporte adequados às necessidades de moradores de áreas de favelas e periferias; soluções que permitam o compartilhamento de transporte para deslocamentos diários; carros e bicicletas a preços acessíveis.
A nona tendência aborda as cadeias produtivas — que em muitos casos se tornaram longas e complexas, envolvendo diversas etapas de produção e intermediações, atuando em diferentes locais. Com essa característica, a distância entre o fornecedor e o consumidor provoca grande impacto no preço final do produto e espreme a margem do pequeno produtor. Vide, por exemplo, a cadeia de eventos ou de alimentos que sofre com o alto desperdício na cadeia logística. Nesse cenário, há impacto no custo final tanto para o consumidor quanto para o pequeno produtor. Quanto maior for o número de intermediários, menos esse fornecedor se apropria do valor agregado do produto, ou seja, a parcela de renda final é diluída no processo.
A tecnologia e o olhar para o ser humano por trás da solução terão papel determinante para o ganho de escala
Diante disso, a tendência aborda a importância de soluções que reduzem o número de intermediários nas cadeias produtivas; estamos falando de modelos que se propõem a resolver algumas assimetrias de mercado via informação, capilaridade comercial, competência de distribuição, entre outros. Na prática, usando a tecnologia para permitir que a oferta e a demanda se conectem de forma simples e direta.
Por fim, a décima tendência abarca a empregabilidade para além da inserção das pessoas no mercado de trabalho. A proposta é criar mecanismos — pela via do empreendedorismo de impacto social com tecnologia — para expandir o repertório das áreas de recursos humanos de empresas de diferentes portes e setores. Sabemos que os vieses inconscientes nos processos seletivos ditam uma contratação viciada e pouco inclusiva.
Nesse contexto, a tecnologia pode auxiliar na construção de uma nova narrativa para o recrutamento de pessoas, focando na diversidade e em um processo isento. Aliás, não há diversidade sem promover a inclusão de mulheres, negros, pessoas com deficiência, LGBTQ+, profissionais 60+ e pessoas de diferentes regiões, classes sociais e realidades.
As 10 tendências compiladas pela equipe da Artemisia — e que já apresentam negócios de impacto social alinhados a essas demandas sociais — são reflexos de um campo que está amadurecendo e se sofisticando à medida que se conecta com a realidade da população brasileira mais vulnerável economicamente.
Nessas cinco tendências destacadas no segundo artigo da série, mostramos que a tecnologia e o olhar para o ser humano por trás da solução terão, nos próximos anos, papel determinante para o ganho de escala e para a disseminação de novas formas de levar o impacto social a um outro patamar.
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- Maure Pessanha é coempreendedora e diretora-executiva da Artemisia, organização pioneira no fomento e na disseminação de negócios de impacto social no Brasil.
- Texto publicado originalmente no Blog do Empreendedor — Estadão PME.
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