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Brasil pode se tornar polo mundial de negócios inovadores que resolvam problemas sociais
Há mais de uma década, a Artemisia formulou uma hipótese que norteia a atuação da organização até os dias de hoje. Ao aplicar a lógica dos negócios, será que podemos gerar impacto social em larga escala?
Com essa reflexão –e acreditando em uma resposta afirmativa–, chegamos ao modelo de negócio de impacto social: um novo capitalismo, pautado pela consciência social unida ao lucro, no qual as empresas não substituem o Estado, mas qualificam e complementam a ação governamental ao garantir acesso a produtos e serviços essenciais à melhoria da qualidade de vida da população de menor renda.
Muitos podem classificar esse conceito como utópico. Entretanto, ele traz um pragmatismo convencional porque estamos falando de uma lógica de mercado, de oferta e demanda, tendo o impacto social no centro de uma equação que não dispensa o lucro.
O modelo de negócio de impacto social atende à realização de um sonho que partilhamos com muitos. Sonhamos com um país no qual 100% das brasileiras e brasileiros possam viver com dignidade e poder de escolha. Mas como tornar real uma transformação social desse tamanho?
A resposta está no fortalecimento de um modelo de empreendedorismo que tem atraído cada vez mais um número maior de homens e mulheres profundamente incomodados e inconformados com a situação do Brasil. Empreendedores que, mesmo quando todas as probabilidades se mostram contrárias, eles insistem em quebrar paradigmas para investir no empreendedorismo de impacto social.
Em uma jornada de 14 anos, a Artemisia tem dado suporte ao empreendedor de negócios de impacto social e ao crescimento desse mercado que começou focado nos setores estruturantes –educação, saúde, habitação e serviços financeiros– e que hoje abarca subsetores como alimentação, energia e mobilidade.
Com convicção, digo que o Brasil tem todas as credenciais para se tornar um polo mundial de negócios inovadores capazes de resolver os problemas sociais; startups de base tecnológica ou não. A internacionalização de muitos negócios acelerados pela organização, por exemplo, é uma das faces visíveis desse amadurecimento do mercado.
A criação de uma Aceleradora de Negócios de Impacto Social da Periferia; as parcerias que fazemos com grandes empresas para inovação aberta com impacto social; os congressos e simpósios para debater os investimentos e modelos de negócios; a criação de prêmios para reconhecer as iniciativas de sucesso; e a taxa de sucesso dos nossos acelerados são outros indícios consistentes.
Com orgulho, já apoiamos a criação, a aceleração e o aprimoramento de mais de 400 negócios de impacto social. Desde 2011, o programa de aceleração intensiva potencializou com mais de cem negócios. Desses, 51% receberam investimentos que, no total, somam R$ 94 milhões, e 87% dessas empresas permanecem ativas. E, o mais importante: esses negócios impactaram a vida de mais de 30 milhões de brasileiros e brasileiras.
Essa inovação via empreendedorismo de impacto oferece a abundância que precisamos para resolver, em larga escala, problemas sociais. Há uma nova geração de empreendedores e profissionais que encontraram propósito e carreira em um mesmo caminho.
Para disseminar essa inspiração, a Artemisia deu suporte à criação do Movimento Choice, matérias em grandes universidades e cursos de MBA para compartilhar conhecimento e disseminar, entre jovens e estudantes, a nova forma de fazer negócios que quer mudar o mundo.
Olhando para trás, vejo que acompanhamos o surgimento dos primeiros fundos de investimento de impacto brasileiros e o nascimento de novas incubadoras e aceleradoras –criados para contribuir com o desenvolvimento desse novo modelo de negócio. Sempre fomos motivados a servir ao empreendedor e ao ecossistema que o apoia. E ver o tema em projeção, tornando-se eixo estratégico de novas organizações, é motivo de muita alegria.
O reflexo dessa expressiva evolução do campo é o número cada vez maior de empreendedores e empreendedoras que estão escolhendo empreender com impacto social. Dando um exemplo da Artemisia, em nossos esforços de busca e seleção, tivemos um crescimento de 640% no número de negócios avaliados entre 2011 e 2016. Só em 2017, em todos os processos de seleção para aceleração e labs, analisamos mais de 850 negócios.
Hoje, atuamos em um mercado que tem se consolidado e crescido. De acordo com levantamento da Ande Brasil (Aspen Network of Development Entrepreneurs), foram alocados US$ 1,3 bilhão (R$ 5,26 bilhões) de ativos sob gestão na América Latina entre 2014 e 2015 por meio de 522 operações de investimento. O Brasil é o segundo maior mercado da região (US$ 186 milhões [R$ 752,87 milhões]) e conta com 29 investidores de impacto ativos.
No mundo, esse modelo de negócio tem movimentado cerca de US$ 60 bilhões (R$ 242,86 bilhões) e registrado aumento de 7% ao ano. Esses números mostram que os negócios de impacto social estão construindo um novo futuro e mostrando que é possível mudar o mundo e ganhar dinheiro.
Embora seja inegável a evolução do ecossistema de negócios de impacto social, os desafios são muitos –sobretudo os relacionados a questões de mensuração do impacto das empresas. As parcerias entre negócios de impacto e governo para complementar as ofertas, a participação do investimento de impacto no fluxo de capital global e a diversidade de gênero e raça no perfil dos empreendedores são alguns.
Mas são exatamente esses desafios que nos dão a motivação para continuar trabalhando e acreditando que os negócios de impacto social podem ser uma alternativa para a mudança de nosso país. É possível ganhar dinheiro e mudar o mundo!
- Maure Pessanha é coempreendedora e diretora-executiva da Artemisia, organização pioneira no fomento e na disseminação de negócios de impacto social no Brasil.
- Texto publicado originalmente na Folha de São Paulo.
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