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A ideia radical de que pessoas negras existiam no futuro emergiu na década de 1960, nos Estados Unidos, como resposta a uma produção artística de ficção científica que ignorava a possibilidade de vidas não brancas nesse amanhã hipotético. Essa reflexão social de imensa potência humanista deu origem ao afrofuturismo — um movimento estético e sociocultural que permearia não apenas a literatura, a música e as artes plásticas, mas a economia, a política, a filosofia e o viver.
Essa proposta disruptiva representava o encontro entre mitologia, história e cosmologias africanas com a tecnologia, a ciência e o inexplorado para construir novas narrativas. Celebrava a existência negra e a ancestralidade afastada de construções tidas como arcaicas ou racistas. Na prática, antes desse movimento questionador, os negros não se viam representados na produção cultural futurista. É como se não tivessem sobrevivido para chegar ao futuro. Aos negros foi negada a possibilidade de associar a própria trajetória à inovação e à tecnologia.
Na perspectiva da cientista social Nátaly Neri, o afrofuturismo coloca as pessoas negras no tempo presente e no futuro como protagonistas de tecnologias altamente sofisticadas. Na década de 1990, com o ensaio Black to The Future, o escritor e especialista em cibercultura Mark Dery cunhou o termo ao escrever sobre ficção científica. No cerne da arguição, o objetivo de investigar os motivos de as produções do gênero eliminarem a presença negra nas obras, exterminando-os antes do porvir. Para construir o paper, ele entrevistou autores afroamericanos como Samuel R. Delany, Octavia Butler, Steve Barnes, Greg Tate e Tricia Rose.
Hoje, os afrofuturistas de todo o mundo, tendo as artes como instrumento de reflexão, continuam a trazer o questionamento sobre qual é o lugar da pessoa negra no mundo contemporâneo; sobretudo, no futuro. Conseguiremos descolonizar esse amanhã? Existe um espaço para uma existência segura e digna para os negros? Sabemos que o passado — com a mancha da escravidão — foi de uma crueldade ímpar; vemos que o presente tem sido igualmente problemático.
E o futuro? Ao fazer um recorte a partir do meu olhar para o empreendedorismo de impacto social, gostaria de destacar a importância e contribuição de mulheres negras brasileiras na construção desse futuro negro. São empreendedoras que estão abrindo novos caminhos e escrevendo novas narrativas.
Uma das organizações que têm criado um ecossistema capaz de estimular o empreendedorismo tecnológico e promover o crescimento econômico à população negra brasileira é o BlackRocks. Liderada por Maitê Lourenço, essa aceleradora apoia startups comandadas por negros e negras, em fase inicial de desenvolvimento e que têm alto potencial de impacto e escala via tecnologia.
Com o programa, os empreendedores passam a ter treinamento, apoio na validação com clientes, suporte de mentores especializados, acesso a investidores e parceiros estratégicos a partir da conexão com uma rede ampliada. Um dos programas é o Eureca! — laboratório de inovação que estimula o surgimento de ideias e protótipos.
Outro exemplo disruptivo é a Gestão Kairós, comandada por Liliane Rocha. Especializado em sustentabilidade e diversidade, o negócio atua com a missão de fortalecer o desempenho, planejamento e a perenidade das companhias por meio de atuação estratégia. No cerne, gerar valor compartilhado, aumentar a vantagem competitiva e promover a transformação social, empresarial e pessoal. Ao longo da trajetória, a empreendedora já deu suporte a muitas grandes empresas nacionais e multinacionais na implementação de condutas verdadeiramente inclusivas.
Como terceiro exemplo, gostaria de citar a PretaHub, uma plataforma de inventividades e criatividades pretas, criada por Adriana Barbosa. Entre as inúmeras iniciativas dessa empreendedora brasileira — que está entre os 51 negros e negras mais influentes do mundo, de acordo com Most Influential People of African Descent — destaco o maior festival de cultura e empreendedorismo voltado a afrodescendentes da América Latina.
A Feira Preta foi criada em 2002 por essa jovem oriunda de uma família matriarcal inovadora; o evento se tornou uma das principais iniciativas da plataforma; é um verdadeiro centro de tendências afrocontemporâneas do mercado e das artes, além de ser o espaço para valorizar iniciativas afroempreendedoras de diversos segmentos.
Sempre acreditei que quem conta a história tem um grande poder; quando tivermos indivíduos negros, contando as suas narrativas a partir da própria perspectiva, teremos a mobilização e a transformação social de que precisamos. Vidas negras importam.
Maure Pessanha é empreendedora e diretora-executiva da Artemisia. Texto publicado originalmente no Blog do Empreendedor — Estadão PME.
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