Dar força aos negócios sociais é uma das maneiras de colaborar com os esforços do Estado na construção de uma sociedade mais justa, menos desigual e mais sustentável.
O país acaba de sair de uma das eleições mais polarizadas da sua história e, nesse momento, muito se fala sobre a importância de encontrarmos denominadores comuns para que possamos conseguir criar um campo de paz para a sociedade brasileira. Parto do princípio de que a imensa maioria dos brasileiros almeja uma nação mais justa, com mais oportunidades, mais acesso à educação e à saúde de qualidade. Esse contingente diverge na forma, mas não tenho dúvida que o desejo de um Brasil mais próspero e fraterno seja comum a todos.
Um dos pontos de discórdia é o questionamento sobre o papel do Estado neste processo de construção de um país tão sonhado. Gostaria, aqui, de dar uma sugestão e de lançar luz a um campo enorme e vibrante que não busca discutir o papel do poder público, mas de complementá-lo a partir da contribuição de empresas lideradas por empreendedores e empreendedoras que carregam o desejo de combater problemas sociais e ambientais. Essa vontade férrea é o combustível principal dos empreendimentos chamados negócios de impacto.
Lançando um olhar para os meses de campanha eleitoral — antes de detalhar o conceito de negócios de impacto — cabe lembrar que uma prática bastante comum nas eleições é a condução de pesquisas para entender e elencar o que mais preocupa os brasileiros. Inflação, desemprego, segurança, saúde e meio ambiente são temas recorrentes que, de uma forma ou de outra, surgiram nas enquetes de 2022. Segundo o levantamento do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas), divulgado em maio de 2022, a inflação e a educação aparecem empatadas no topo das principais preocupações dos brasileiros, com 23%. Em seguida, surge o desemprego, com 17%; a saúde, com 14%; a fome e a miséria, com 6%. Se somarmos inflação e desemprego, vemos que temas relacionados à economia e renda ocupam o primeiro lugar na lista de preocupações dos brasileiros.
Voltando aos negócios de impacto, enxergo que esses empreendimentos são liderados por pessoas que trabalham diuturnamente — independente do partido A ou B estar no poder ou qual a concepção vigente sobre a dimensão e o papel do Estado –, para dar respostas concretas aos graves problemas sociais e ambientais que nos tiram o sono. São eles que, com seus negócios inovadores, buscam soluções que dialogam com a sustentabilidade e o combate à desigualdade no nosso país. Bons exemplos não nos faltam, sobretudo, nos setores estruturantes que merecem máxima atenção nesse momento, como saúde, educação e inclusão produtiva.
Muitos brasileiros se questionam sobre o que fazer para manter um nível de vida adequado em um cenário de disrupção tecnológica. Estudo da Singularity University (EUA) aponta, inclusive, que, até 2035, 45% dos trabalhos atuais serão automatizados. No Brasil, o mapeamento “Retrato do trabalho informal no Brasil: desafios e caminhos de solução”, da Fundação Arymax — que tem se dedicado a estudar a Inclusão Produtiva — revela que, ao analisar o passado e ao considerar o desafio do futuro, o panorama nacional sugere que será necessária uma maior integração entre as políticas de crescimento econômico e a inserção da população no mundo do trabalho. Isso porque a industrialização já não dá conta da disseminação dos ganhos de produtividade em toda a economia — algo que se acreditava anteriormente –, e as indústrias de manufatura não comportam a tarefa de absorver os trabalhadores com baixa qualificação. Novos arranjos e pactos devem emergir para responder à complexidade do problema.
Pois bem, a inclusão produtiva é um tema urgente nas agendas sociais e que dialoga diretamente com os negócios de impacto. Um exemplo é a Escola do Mecânico, que capacita jovens para efetuar reparos em carros e motos, gerando renda via iniciativas empreendedoras nas camadas mais fragilizadas da população. Dá para começar consertando carros e motos à porta de casa! E isso muda o jogo na inclusão produtiva nas camadas menos favorecidas da população! Esse é somente um dos negócios, entre muitos, que endereçam a necessidade de ampliar as opções de geração de renda para a população em situação de vulnerabilidade social.
Vamos a um segundo desafio social… É lugar comum propagarmos que sem educação um país não avança. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a cada dez brasileiros, três são considerados analfabetos funcionais, e apenas 12% da população está no nível “proficiente”, ou seja, o mais alto da escala. Ao analisarmos a questão, uma das conclusões é que a falta do hábito da leitura, certamente, contribui para esse quadro. Pais que leem pouco não habituam os seus filhos a ler. Estes, por sua vez, tornam-se analfabetos funcionais e não conseguirão vagas em boas escolas, nem bons postos de trabalho, mais bem-remunerados. E assim se perpetua um ciclo de pobreza intergeracional. Um negócio de impacto que responde diretamente a esse desafio de fomentar a leitura é a Estante Mágica — que capacita crianças de 6 a 10 anos a escreverem os seus primeiros livros, que são entregues aos familiares e amigos em tardes de autógrafos comoventes. Dá para ter um escritor ou uma escritora na família! E isso muda o jogo quando há oportunidade de construir uma proximidade das famílias menos favorecidas com o universo das letras!
Como terceiro exemplo, vamos falar sobre o desafio da saúde. A crise da covid nos fez lembrar o quão importante é termos um sistema público, universal e gratuito de saúde. Um bom sistema de saúde é fator importante para preservar nosso bem maior: a vida. O nosso SUS (Sistema Único de Saúde) é reconhecido como um dos maiores, senão o maior, sistemas de saúde pública do mundo em termos de cobertura. Temos 70% da população brasileira que depende unicamente dele para cuidar da própria saúde. Mas, costumo comentar que o SUS é um hardware. Um sistema enorme e capilarizado por todo o país que precisa de recheio: recursos humanos, insumos e tecnologia. Tecnologia esta que avança num ritmo alucinante; muitas vezes difícil de ser acompanhado pelo setor público. No caso de exames clínicos em regiões remotas, a demora entre a realização dos exames e o recebimento dos seus resultados pode implicar na morte do paciente.
É aqui que entra o Portal Telemedicina, um negócio de impacto que oferece soluções de teleconsulta e telediagnóstico a clínicas populares, que são as que atendem as populações menos favorecidas do país, inclusive, em territórios remotos. A empresa oferece tecnologia de software que “pluga” os equipamentos de diagnóstico a uma rede integrada em nuvem, possibilitando que, em questão de minutos, as equipes médicas possam produzir um laudo, mesmo estando a milhares de quilômetros de onde o exame foi realizado. Dá para encurtar o tempo entre a realização do exame e o recebimento dos resultados, mesmo em regiões remotas do país! E isso muda o jogo, salvando vidas de pessoas das camadas menos favorecidas da sociedade!
Escola do Mecânico, Estante Mágica e Portal Telemedicina são negócios sociais ou negócios de impacto. Eles não pretendem substituir o governo nas suas atribuições essenciais de cuidar de inclusão produtiva, educação e saúde. Mas enxergam oportunidades de construção de modelos de negócios sólidos a partir das lacunas de atuação do Estado.
Dar força aos negócios sociais é uma das maneiras de colaborar com os esforços do Estado na construção de uma sociedade mais justa, menos desigual e mais sustentável. Assim como estar em dia com o dever do voto e se engajar com os negócios que causam uma transformação positiva na nossa sociedade podem ser uma forma de higiene cívica.
*Luciano Gurgel é diretor-executivo da Artemisia. Artigo publicado originalmente no NEXO Jornal.
[ Foto: BRUNO KELLY/REUTERS – 2.OUT.2022 ]