Não é mais possível ignorar a responsabilidade de todos nós na construção do país que queremos, e o empreendedorismo é uma força poderosa nessa transformação social
Na última década, a representatividade da mulher negra aumentou no mercado formal brasileiro, entretanto, elas estão em ocupações caracterizadas por menores salários. No período, houve, ainda, relativa estagnação salarial. A desigualdade de salários no Sudeste é mais pronunciada do que no Nordeste: no primeiro, elas recebem 62% do rendimento de uma mulher branca; no segundo, essa porcentagem sobe para 71%.
Essas são algumas das conclusões de um estudo produzido pela Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial — articulação nascida com o endosso de 180 representantes de coletivos negros, empresas, investidores e acadêmicos interessados em mudar a realidade do país. A proposta é substituir o discurso por um caminho concreto para que o setor privado possa assumir um papel de protagonismo antirracista.
Para tal, o objetivo é criar uma real representação dos profissionais negros no mercado de trabalho no espaço de uma geração. Voltado a avaliar a participação da mulher negra no mercado de trabalho, a pesquisa produzida pelo Pacto aponta que houve uma ligeira melhora na remuneração, mas que a ascensão profissional feminina ainda está travada. Na prática, as profissionais negras ainda ocupam cargos com menores salários.
O discreto avanço pode ser reflexo da formação escolar de pretos e pardos: a parcela de mulheres negras com ensino superior, por exemplo, saiu de 13% para 21% na década que compreende de 2010 a 2020. Aqui, cabe apontar que a Lei de Cotas e as políticas públicas que potencializaram o acesso da população de menor renda à educação tiveram um papel essencial nesse resultado.
O Índice ESG de Equidade Racial (IEER) — um dos produtos mais relevantes da articulação dessa iniciativa — foi criado no formato de rating para mostrar o quanto da massa salarial vai para determinado grupo da população, sendo ponderado pelo perfil racial das diferentes regiões onde as empresas atuam. A meta é que, de três a cinco anos, até 600 empresas brasileiras (ou estrangeiras que atuam no Brasil) possam aderir ao Pacto, utilizar o índice e fazer investimentos na equidade racial.
Voltando ao resultado da pesquisa, a análise reforça a percepção de estagnação no avanço profissional das mulheres negras, embora a escolaridade delas tenha aumentado. Nesse contexto, cabe outro apontamento. A maior participação se concentrou em instituições privadas de ensino e em cursos considerados de menor prestígio, ou seja, reforçando a probabilidade de que essas mulheres sejam alocadas em setores de menor remuneração.
A própria pesquisa traz que, há dois anos, 45% das profissionais com ensino superior trabalhavam nos cinco setores de mais baixa remuneração da economia — apenas 25% dos homens brancos se encontravam nesses setores. Quando analisamos os cinco setores com maior remuneração, essa lógica sofre uma inversão.
E, por que tratar desse tema em uma coluna de empreendedorismo de impacto social e ambiental? Entre as muitas razões que posso citar, acredito que a mais pragmática é a importância de empreendedores e empreendedoras de todos os segmentos e portes compreenderem o momento de virada de chave que vivemos.
Não é mais possível ignorar a responsabilidade de todos nós na construção do país que queremos. O empreendedorismo — incluindo o de impacto social — é uma força poderosa nessa transformação social, uma peça-chave nesse novo futuro inclusivo e diverso. A equidade racial, como parte essencial dessa mudança, precisa estar na pauta de todas as pessoas que empreendem no Brasil.
- Maure Pessanha é empreendedora e presidente do Conselho da Artemisia. Artigo publicado originalmente no Blog do Empreendedor — Estadão PME.