Relatório da Artemisia e Gerdau apresenta oportunidades para quem pensa em empreender ou investir no setor, com foco na geração de impacto socioambiental positivo
Os alertas sobre a emergência climática e a urgência por uma mudança sistêmica no atual modelo linear de “produção-consumo-descarte” não têm sido suficientes para reduzir o volume de resíduos produzidos no Brasil, que segue crescendo de forma acelerada, ano após ano. Nesse contexto, o papel da reciclagem perante os desafios ambientais, sociais e econômicos permanece relevante, e parte da solução para a expansão deste olhar reside em enxergar o resíduo como uma oportunidade dotada de benefícios ao meio ambiente e à economia.
Cabe ressaltar, ainda, que há oportunidades reais de atuação dos negócios de impacto socioambiental com soluções inovadoras, tendo por objetivo apontar caminhos que possam contribuir para acelerar as mudanças necessárias no tema.
O Brasil tem um longo caminho a percorrer quando o assunto é gestão e gerenciamento de resíduos — haja vista o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, lançado em 2022, com 12 anos de atraso. O Plano constitui uma estratégia de longo prazo para solucionar desafios da nação na temática de resíduos sólidos, buscando renovar metas não cumpridas desde a criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010. Esse é o caso do encerramento dos lixões e aterros controlados, que deveriam ter sido fechados no ano de 2014, mas ainda recebem em torno de 40% do total de resíduos coletados, de acordo com a Associação Brasileira da Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe, 2021).
Em uma coluna anterior, citei que a Artemisia e a Gerdau conduziram a Tese de Impacto Socioambiental em Reciclagem, uma análise setorial que percorre os principais desafios enfrentados no país dentro da temática e, ainda, apresenta 13 oportunidades para quem pensa em empreender ou investir no setor, com foco na geração de impacto socioambiental positivo. Neste artigo, trago as primeiras sete das oportunidades destacadas pelo levantamento e exemplos de negócios que ilustram cada uma delas. Na próxima semana, voltarei ao tema com as seis oportunidades restantes.
Oportunidade #1 | Programas de incentivo em parceria com a sociedade civil para separação de resíduos
Na primeira oportunidade, as soluções bem-vindas são as que, por meio da metodologia de gamificação, ajudam o consumidor na educação ambiental, especialmente na separação e no manejo adequado do resíduo, além do local correto de descarte. A análise aponta, também, soluções que por meio de sistemas como cashback e benefícios engajam o consumidor no manejo e descarte adequado, mostrando que lixo é dinheiro. Um outro ponto da oportunidade é que as soluções, comumente, não têm custo para o consumidor.
Um dos exemplos de negócios é a Ambipar Triciclo, que oferece um programa de fidelidade ambiental em que o cliente se cadastra, leva seus resíduos limpos e separados até um ecoponto Triciclo e gera “tricoins” — pontos que podem ser trocados por crédito em transporte, energia, livraria, celular, entre outros. Os pontos de coleta ficam em locais públicos e privados.
A Triciclo trabalha com três soluções principais: o Retorna Machine (máquinas de venda reversa que aceitam embalagens de alumínio, aço, plástico, aço, sachê, longa vida, vidro, entre outras); o Recicla Pharma (máquinas de venda reserva destinadas ao varejo farmacêutico, recolhendo medicamentos e embalagens fármacas; e o Deixaki (contêineres destinados à entrega de grande volume de material reciclável e perigoso).
Oportunidade #2 | Gestão de resíduos sólidos em condomínios
A análise da Tese aponta para algumas soluções: negócios que mobilizem e engajem os moradores dos condomínios a realizarem a correta separação e o descarte do lixo; que ofereçam aos condomínios gestão, transparência de dados, manutenção de resíduos no local e incentivos para a realização de atividades; que ofereçam todas as etapas do processo — coleta, logística e descarte adequado dos resíduos. Nessa terceira solução, um alerta: a importância de utilizar o trabalho de cooperativas da região.
Entre os negócios destacados está o Grupo Muda, que oferece o projeto, a implementação de infraestrutura, a mobilização dos moradores e funcionários, e a gestão — com a ajuda de tecnologia — de toda a cadeia de coleta seletiva de resíduos nos condomínios. Os principais diferenciais são o programa educativo com os moradores — que baixam um aplicativo e acessam um plano de fidelidade com o ganho de benefícios –; e o impacto social da cadeia de reciclagem, por meio do trabalho com cooperativas de reciclagem parceiras.
Oportunidade #3 | Gestão de resíduos em locais de difícil acesso
O destaque desta oportunidade recai para ações de incentivo (cashback e benefícios) que mobilizem os moradores a realizarem a coleta seletiva; as que promovam a instalação do maior número de pontos de coleta e novas maneiras de transporte para essa coleta (evitar grandes deslocamentos); e as que focam na formação de uma rede local de catadores e cooperativas já existentes — algo que gera maior efetividade na gestão e coleta de resíduos.
Coletando Soluções é um dos exemplos dessa oportunidade. O negócio leva um programa de gestão de resíduos a comunidades vulneráveis que não são atendidas pelo serviço municipal de coleta. A partir de um mapeamento inicial, planeja a distribuição de ecopontos móveis de modo que a solução atenda a comunidade. Para engajar a população local, oferece um sistema de benefícios em créditos no cartão; destina todo o material a cooperativas e emite certificação de destinação ambientalmente adequada, dando garantia de compliance às marcas que atendem.
Oportunidade #4 | Melhoria das condições de trabalho e aumento de renda dos catadores
A Tese destaca, nessa oportunidade, as iniciativas empreendedoras que promovem o aumento de renda e de condições dignas de trabalho prestado (não pelo volume coletado) em prol de melhor justiça social e com pagamento justo; as que diminuem a distância entre os catadores e o comprador final; e as que oferecem melhores meios de transporte de trabalho e melhor organização logística — e de gestão para os catadores.
A empresa que melhor ilustra essa oportunidade é a Green Mining, que atua com tecnologia de logística reversa eficiente que recupera embalagens pós-consumo de empresas e as coloca novamente no ciclo de produção, realizando, ainda, toda a rastreabilidade da cadeia. Os maiores diferenciais são o reconhecimento e a contratação de catadores com carteira assinada, para a operação, que passam a receber por hora trabalhada e não pela quantidade de material coletado. Além disso, utilizam transportes não motorizados, como triciclos, para evitar a emissão de dióxido de carbono (CO2).
Oportunidade #5 | Regularização, gestão e eficiência de cooperativas de reciclagem
Entre as soluções, destaque para as que oferecem uma gestão tecnológica em toda a cadeia de atividades, proporcionando melhor coleta e transparência de dados para a melhoria de estratégias e prestação de contas; as que buscam promover ajuda na formalização contábil, jurídica e que permitam um processo de auditoria simples e eficaz das cooperativas; e as capazes de oferecer acesso facilitado a crédito para que cooperativas possam realizar investimentos de melhoria na qualidade do trabalho e da dinamização.
Nesta oportunidade, destaco a YouGreen, uma cooperativa de gestão de resíduos que trabalha com frentes como gestão integrada de resíduos, coleta de resíduos, logística reversa, venda de recicláveis, conscientização e outras, com o foco na não geração. Como diferencial, a empresa encontrou um modelo de negócios sustentável, lucrativo, com base nos princípios de uma cooperativa.
Oportunidade #6 | Métodos inovadores para reciclagem de resíduos pós-consumo
Nesta sexta oportunidade, o destaque recai para a criação de métodos inovadores de reciclagem para que resíduos sejam reutilizados (em especial, os de pouca reciclabilidade e que possuem obrigatoriedade legal de destinação ambiental adequada); os que criem produtos ecológicos a partir dos resíduos ou da matéria-prima reciclada; e as de consultoria de pesquisa e desenvolvimento para recuperação e remanufatura de materiais. Boomera Ambipar atua nessa seara.
A empresa brasileira de economia circular, que integra o Grupo Ambipar, possui uma metodologia própria (circular pack) que transforma resíduos em matéria-prima e novos produtos circulares. Há 11 anos trabalha desenvolvendo projetos de logística reversa, atendimento a PNRS, cumprimento das metas de ESG das empresas e fabricação de produtos circulares via transformação de resíduos recicláveis.
Oportunidade #7 | Desenvolvimento de produtos circulares
Diante da alarmante situação ambiental, com o esgotamento de recursos naturais e as mudanças climáticas, a Economia Circular tem se mostrado um caminho possível. Nesse novo paradigma, existe uma “hierarquia” segundo a qual devemos priorizar a não geração e redução de resíduos antes mesmo de recuperá-los. Isso é possível por meio da substituição de materiais descartáveis e de baixa qualidade por insumos circulares, de melhor qualidade, que possam ser mantidos em uso diversas vezes ou facilmente reciclados após o primeiro uso.
Entre as soluções nesta oportunidade, destaque para as que substituem embalagens descartáveis por produtos ecológicos e de fácil reciclagem ou reutilização; as que substituem embalagens descartáveis por retornáveis (design para reúso); e as soluções de consultoria de pesquisa e desenvolvimento para a promoção de novos produtos para a Economia Circular.
A Oka Biotecnologia ilustra essa lógica. Negócio de pesquisa e desenvolvimento em biotecnologia que produz bioembalagens (copos, bowls, bandejas e outros), a empresa atua com itens são 100% compostáveis, produzidos a partir de uma matéria-prima brasileira e sustentável: a mandioca, operando com uma produção limpa e de ciclo fechado, que vai desde a germinação da mandioca até a compostagem da embalagem.
A Tese de Impacto Socioambiental em Reciclagem contou com o apoio da Abeaço, CEMPRE, Coca-Cola Brasil, Hub de Economia Circular, Pimp my Carroça, SAP e Tigre.
- Maure Pessanha é empreendedora e presidente do Conselho da Artemisia, organização pioneira no apoio a negócios de impacto social no Brasil. Texto publicado originalmente do Blog do Empreendedor — Estadão PME.
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