Déficit envolve baixo estoque de casas e condições precárias de muitas delas, o que leva a oportunidades de negócios de impacto social, aponta Maure Pessanha em artigo no Dia Nacional da Habitação
“Uma cidade é sempre uma concentração de oportunidades, não uma aglomeração de casas. Sua vida é a quantidade de oportunidades de trabalho, educação, transporte, lazer. A vida é a cidade — ou melhor — o direito à cidade.”
Trazer essa análise do arquiteto chileno Alejandro Aravena tem por objetivo inspirar uma reflexão muito oportuna nesse Dia Nacional da Habitação, celebrado em 21 de agosto. A moradia tem um papel fundamental na vida das pessoas: as condições e a localização da casa têm impacto direto na saúde, na qualidade de vida e no acesso a oportunidades de desenvolvimento como educação e empregabilidade. Sob essa ótica, a moradia como direito humano fundamental tem uma abrangência maior do que apenas o acesso a uma residência; interfere, diretamente, na relação da pessoa com a cidade e outros setores estruturantes.
Uma casa em condições inadequadas e precárias influencia e impacta negativamente a vida do cidadão. Ao transformar positivamente o morar — um espaço dotado de segurança, dignidade e conforto — vemos um impacto transversal e positivo não apenas na vida das famílias, como em toda a sociedade.
Em uma análise mais acurada, vemos que nas diversas dimensões que envolvem a casa — tanto subjetivas, relacionadas a valores afetivos e culturais, quanto práticas, abarcando segurança e renda — está a chave para entender que morar é afeto e refúgio (valor emocional da casa, local de recolhimento e convívio); ascensão social (a realização do sonho da casa própria); segurança financeira (pode ser um ativo que possibilita trabalho e potencial de renda com aluguel e revenda); e geração de renda (fonte para atividades profissionais como salão de cabeleireiro, produção artesanal).
A despeito dessa importância para o cidadão, um terço da população mundial urbana vive em favelas e assentamentos informais; um bilhão de novas casas são necessárias até 2025 no mundo, em um custo estimado que vai de US$ 9 trilhões a US$ 11 trilhões. São 330 milhões de famílias que estão financeiramente ameaçadas pelos custos de habitação — número que pode crescer para 440 milhões em 2025, de acordo com dados da McKinsey.
Houve, também, um aumento de 28% no número de residentes em favelas, indo de 689 milhões (1990) para 881 milhões em 2014 de acordo com a ONU-Habitat. Grande parte dessa situação é resultado de diversos fatores interligados que compõem o cenário das cidades como conhecemos hoje.
No Brasil, o processo de urbanização aconteceu a partir da segunda metade do século 21 de forma rápida. Em meados de 1960, a maioria da nossa população já vivia em cidades. Porém, o acesso à terra pelo mercado formal — ou por políticas públicas — foram insuficientes para atender todas as pessoas que chegavam às cidades. E as consequências disso repercutem até hoje, com a atual segregação socioespacial, tendo a presença de favelas e ocupações como parte do cenário das grandes cidades.
O acesso à habitação adequada está longe de ser a realidade para grande parte dos brasileiros. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 85% da população brasileira vive em áreas urbanas, onde se concentram os grandes desafios habitacionais, principalmente nas regiões metropolitanas. A população de baixa renda é a mais afetada por esses desafios e enfrenta as maiores barreiras para alcançar o direito à moradia e à cidade.
Saneamento Básico
Muitas dessas regiões não têm acesso à infraestrutura básica: 45% da população ainda não possui esgotamento sanitário adequado (Agência Nacional de Águas, 2017); 8,3% não possui coleta domiciliar de resíduos sólidos; e 16,5% não são atendidos pela rede de abastecimento de água (SNIS| Diagnóstico de Água e Esgoto, 2017). Para se ter uma ideia do impacto e da consequência em outros setores, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada US$ 1 investido em água e saneamento, há uma economia de custos com saúde no mundo da ordem de US$ 4,3.
Nesse contexto, o País apresenta um gigante déficit habitacional quantitativo e qualitativo. O desafio habitacional quantitativo — que afeta o estoque de moradias e demanda a construção de novas casas — envolve habitações precárias, comprometimento da renda com aluguel excessivo; coabitação familiar e adensamento excessivo de moradores em imóveis alugados.
Os entraves qualitativos — referentes à adequação das moradias, ou seja, domicílios que não proporcionam condições desejáveis de habitação por serem carentes de infraestrutura — dizem respeito ao adensamento excessivo em domicílios próprios, inadequação fundiária, cobertura inadequada e inexistência de unidade sanitária domiciliar. Enquanto o déficit quantitativo é de 7 milhões de domicílios (87,7% em áreas urbanas e 783 mil unidades em rurais), o déficit qualitativo é de 11 milhões de domicílios, de acordo com dados da Fundação João Pinheiro (2015).
Para entender quais são os desafios da temática e como empreendedores têm desenvolvido soluções inovadoras e acessíveis, relacionadas às dores de moradia que afligem a população mais vulnerável, Artemisia e Gerdau desenvolveram — em parceria com Instituto Vedacit, Tigre e Votorantim Cimentos e apoio da CAIXA e CAU/BR — a Tese de Impacto Social em Habitação. Recomendo, em especial a interessados em construir soluções de negócios focados no tema, a leitura dessa análise. O mapeamento setorial pode ser acessado gratuitamente, na íntegra, pelo site do projeto.
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- Maure Pessanha é empreendedora e diretora-executiva da Artemisia, organização pioneira no fomento e na disseminação de negócios de impacto social no Brasil.
- Texto publicado originalmente no Blog do Empreendedor — Estadão PME.