Estudo realizado pela Artemisia evidencia quais são os desafios e oportunidades no empreendedorismo de base no Brasil.
Na pandemia, a adesão tecnológica no ambiente de negócios se mostrou um importante fator de resiliência tanto para empresas — que se mantiveram funcionando de forma remota — quanto para os pequenos negócios criados como resposta à perda de renda e emprego durante a recessão econômica.
No Brasil, por uma questão de sobrevivência, muitos microempreendedores de base se lançaram no ambiente digital. O estudo exploratório Inclusão Produtiva de microempreendedores na Era Digital: desafios e possibilidades para a geração de renda digna por meio do empreendedorismo de base no Brasil investigou, por meio de diálogos com especialistas, quais são as dores, as oportunidades, as tendências e os desafios da temática.
No levantamento — conduzido pela Artemisia com apoio de outras organizações que compõem a Coalizão Inclusão Produtiva –, coloca-se em evidência uma fotografia preocupante do mercado de trabalho brasileiro, na qual o desemprego afeta desproporcionalmente mulheres, negros e jovens. A informalidade é um outro ponto relevante: dos 38,9 milhões de pessoas que participam do mercado informal de trabalho (os trabalhadores “por conta própria”), 76% não têm CNPJ ou qualquer tipo de formalização.
Os “conta própria informais”, trabalhadores e/ou empreendedores que não se beneficiam da seguridade social, são majoritariamente pretos e pardos (59,50%), de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua (2021). De forma complementar a esse cenário, os dados da Global Entrepreneurship Monitor Brasil (GEM Brasil, 2021) mostram que uma parcela significativa da população brasileira é composta por empreendedores iniciais (21%), dos quais 48,9% empreendem por necessidade e 57% ganham até três salários mínimos.
Entre os aprendizados reunidos no estudo — que contou com a parceria de Accenture, Fundação Arymax, Instituto humanize, Meta, Potencia Ventures, Fundação Casas Bahia, Instituto XP, Lenovo Foundation, Fundação Tide Setubal e a B3 Social, e com o apoio da Aliança Empreendedora –, destaco sete reflexões.
#1 O combate à exclusão social passa pela Inclusão Produtiva
Precisamos falar mais sobre o conceito de inclusão produtiva — que também é uma causa — para que mais pessoas o conheçam e mais ações sejam conduzidas para promovê-lo. Conjunto de intervenções destinadas a apoiar pessoas em situação de vulnerabilidade econômica a encontrarem oportunidades de geração de trabalho e renda, a temática está associada ao combate a dinâmicas de precarização, diminuindo a exclusão social e aumentando a produtividade do País. O tema está presente, inclusive, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Os principais são: ODS 1 (erradicação da pobreza) e ODS 8 (trabalho decente e crescimento econômico).
#2 A Inclusão Produtiva pela via do empreendedorismo requer um olhar urgente
No Brasil, mais de 30% da população adulta exerce alguma atividade empreendedora, dos quais 21% são empreendedores iniciais. Entre eles, 48% empreendem por necessidade e 57% ganham até três salários mínimos, de acordo com o Global Entrepreneurship Monitor Brasil (GEM, 2021). Garantir que a atividade empreendedora propicie qualidade e dignidade de trabalho — gerando renda estável e satisfatória para aqueles que a exercem — demandará esforços de diversos atores do ecossistema, passando pelo apoio à formalização, educação empreendedora e a ações para ganhos de produtividade.
#3 Existe um hiato na inclusão digital no Brasil
A Era Digital, acelerada pela pandemia, acrescenta novas camadas de complexidade ao cotidiano dos microempreendedores, que muitas vezes estão excluídos social e digitalmente. A inclusão digital no Brasil é um desafio que envolve 40 milhões de pessoas que não têm acesso à conectividade. Entre aqueles que acessam a internet, apenas 20% têm acesso de qualidade à rede. Na prática, boa parte da população das classes C, D e E conectada contam somente com rede móvel, têm disponibilidade limitada de dados, enfrentam a lentidão e têm acesso exclusivo via smartphone, de acordo com o estudo O abismo digital no Brasil, conduzido por PwC e Instituto Locomotiva, em 2022.
#4 Avanços tecnológicos não têm sido para todos
Precisamos superar essa disparidade para garantir cidadania plena aos brasileiros no mundo contemporâneo. Quem empreende por necessidade enfrenta uma série de desafios, e a missão de digitalizar processos é deles. As dificuldades passam pela falta de letramento digital, infraestrutura, recursos e equipe. Diminuir o gap de acesso a tecnologias e a inovações é uma urgência diante das transformações sociais relacionadas ao futuro do trabalho. E, no contexto do empreendedorismo de base, não seria diferente.
#5 Devemos mudar nossa ideia sobre “inovação”
Como diz Mauro Oddo, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), “inovação é aquilo que é novo para a empresa; não precisa ser novidade para o mundo.” Ou seja, não estamos falando necessariamente de tecnologias de ponta, disruptivas. A inovação também está na melhoria e na modernização de processos. Para os pequenos negócios, ações simples e de baixo custo podem trazer impactos significativos, que se traduzem em mais renda, mais dignidade e mais qualidade de vida a empreendedores, empreendedoras e às suas famílias.
#6 Não existe uma solução única para os desafios
A Inclusão Produtiva de nano, micro e pequenos empreendedores depende de uma lente multidimensional sobre os problemas enfrentados. Existe uma visão sistêmica, permeando um problema de vulnerabilidade socioeconômica. Diante disso, torna-se necessária a articulação de diversos atores da sociedade para garantir boas condições e um ambiente favorável e saudável para que empreendedores possam se desenvolver e acompanhar os avanços tecnológicos.
#7 É preciso melhorar o ambiente no qual o empreendedor está inserido
Quando analisamos a inclusão produtiva de empreendedores de base, três aspectos são indissociáveis: o empreendedor, o negócio e o ambiente no qual os dois primeiros se inserem, como aponta o estudo O futuro da Inclusão Produtiva no Brasil: da emergência social aos caminhos pós pandemia (Fundação Arymax, B3 Social e Instituto Veredas). A responsabilidade para melhorias no negócio não é exclusiva do indivíduo que empreende, mas de todo um ecossistema que o envolve. O ambiente no qual está inserido influencia diretamente no desenvolvimento, na produtividade e no rendimento. Para além do letramento digital, acesso a crédito saudável, acesso a inovações e políticas públicas são demandas urgentes.
Para saber mais sobre o tema, recomendo a leitura do estudo exploratório Inclusão Produtiva de microempreendedores na Era Digital. O download é gratuito e pode ser feito no link.
* Maure Pessanha é empreendedora e presidente do Conselho da Artemisia, organização pioneira no fomento e na disseminação de negócios de impacto social no Brasil. Texto original publicado no Blog do Empreendedor do Estadão PME.