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O mundo dos investimentos finge não ver, mas costuma vivenciar aquilo que, em teoria, mais abomina: a interferência do Estado, desviando o curso normal do mercado e a precificação dos ativos.
Passei metade da vida transitando pelo mundo dos investimentos e, por se tratar de algo que gera e aloca os escassos recursos na sociedade, investimentos sempre foram uma das indústrias de ponta de toda economia. Com modelagem financeira, arcabouços teóricos e observação empírica sistematizados por profissionais formados em universidades renomadas e contratados a peso de ouro para embasar as melhores decisões dos gestores de recursos.
O axioma principal da indústria de investimentos é obter o melhor retorno possível ponderado pelo risco associado a cada ativo. Para ativos de renda fixa ou variável, emissores do ativo –sendo governos ou setor privado–, a regra de ouro é obter o maior retorno possível por cada nível de risco a que se está sujeito.
Uma afirmação que sempre ouço dos investidores é que os investimentos de impacto não dão o mesmo retorno que tradicionais e, por isso, aqueles ativos sempre foram considerados “café com leite” nos portfólios.
Ou seja, aquela porção em que as decisões são motivadas mais por razões éticas do que por métricas do mercado. São aquelas decisões que são tomadas na mesa da cozinha, não na do escritório.
Esses bolsos fatalmente serão menores do que os dos investimentos tradicionais, e esse mercado só se consolidará quando as razões éticas –que hoje se enquadram, por convenção, como ESG [sigla para práticas ambientais, sociais e de governança]– suplantarem ou tiverem o mesmo nível de relevância das métricas tradicionais de mercado.
Será mesmo? Vejamos… Gerar energia com uma planta termelétrica movida a carvão é bem mais barato do que com uma usina hidrelétrica. Uma estrada que atravessa uma área de manancial é mais barata do que contornar a área para preservar nascentes de rios. Usar metais pesados em processos de mineração é mais barato do que técnicas sem mercúrio.
Portanto, investir em usinas termelétricas movidas a carvão, em rodovias que não respeitem áreas de relevância ambiental ou em mineração à base de mercúrio daria mais retorno do que investir em hidrelétricas, em rodovias ecologicamente corretas ou em mineração sem metais pesados, por exemplo.
A questão fundamental é que, historicamente, no mundo dos investimentos, os retornos sempre foram vistos como privados –e detidos pelos investidores–, enquanto impactos socioambientais gerados por aquelas decisões de investimento são vistos como públicos. Portanto, pertencentes a toda a sociedade, não apenas ao investidor que contribuiu para que aquele impacto negativo fosse gerado.
Há um paralelo histórico no Brasil, que foi a socialização das perdas, política econômica elitista que protegia barões do café ao queimar-se estoques de café para elevar o preço, ao custo da desvalorização da moeda e consequente perda de poder aquisitivo da imensa maioria da população. Vivemos algo anacronicamente parecido nos dias de hoje.
O que precisa mudar no mundo dos investimentos é que os impactos negativos gerados por decisões de investimentos sejam tão pertencentes aos investidores quanto os retornos a eles associados.
Temos avançado nessa direção, com medidas regulatórias que impedem e penalizam más decisões de investimento e processo de conscientização da importância dos temas sociais, ambientais e de governança.
Mas, de forma geral, é fundamental que fique claro que, como em qualquer equação econométrica, os impactos socioambientais dos investimentos são tão privados quanto os retornos a eles associados. É nessa direção que caminham os investimentos de impacto.
Pensemos na carga tributária que eles evitam. Quando se investe hoje em educação, saúde, habitação e inclusão digital e financeira para a população da base da pirâmide social, o que estamos fazendo é economizar orçamento público futuro que seria comprometido na construção de prisões, reformatórios, programas de geração de renda e de medicina paliativa.
Economizamos, também, orçamentos privados que seriam destinados à construção de muros altos, vidros blindados, cercas elétricas e em educação no exterior para os filhos das elites.
Trata-se de uma questão de taxa interna de retorno (TIR): o investimento na promoção de uma sociedade mais justa e inclusiva hoje, por mais que aparentemente se mostre menos rentável do que comparável no curto prazo, economiza recursos privados e públicos (que são provenientes do setor privado) no longo prazo.
É uma pena que, com tantos recursos disponíveis, o mundo dos investimentos não tenha ainda se debruçado sobre esta conta. Que não se tenha formulado modelos financeiros que façam com que os investimentos de impacto se tornem uma classe de ativo que gera economia social no longo prazo. E que passem a compor o portfólio de recomendação de analistas com a devida importância.
Tenho absoluta convicção de que no dia em que chegarmos próximos a isso estaremos, já no presente, construindo uma sociedade mais justa, menos desigual e mais próspera.
Que esta seja uma decisão não apenas ética –como se não fosse suficiente– mas também tão racional quanto qualquer outra decisão de investimento.
Luciano Gurgel é diretor executivo da Artemisia. Texto publicado originalmente na Folha Empreendedor Social.
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