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Na Artemisia, as iniciativas são balizadas, essencialmente, pela decisão de colocar o ser humano no centro do processo. Essa forma de qualificar a atuação foi um fator que nos levou a enxergar o empreendedorismo periférico — liderado por homens e mulheres cisgêneros e transgêneros — como uma potência territorial do País. No território são aprofundados os valores e as crenças do indivíduo; os problemas nacionais têm raízes profundas nesse espaço.
Da mesma forma, esse tecido social abarca as soluções mais criativas e legítimas que podemos ter para desafios antigos. Acolher esse potencial coletivo e individual é entender o quão essencial é nos conectarmos com um organismo vivo: as cidades e seus habitantes. Nesse ambiente rico, entendemos que problemas e soluções são as faces de uma mesma moeda.
Esse aprendizado pôde ser comprovado na conclusão do processo de aceleração do Lab NIP — iniciativa da Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia (Anip), que conta com o apoio da Artemisia. Destinado a empreendedores de impacto social com atuação nas periferias da Grande São Paulo, o programa analisou mais de 400 negócios e selecionou 30, tendo o interesse genuíno de trazer diversidade; tivemos mais de 40% das participantes autodeclaradas mulheres e mais de 60% que se reconhecem como negros ou pardos.
Diante da pandemia do novo coronavírus, tivemos que nos reinventar e adaptar as dinâmicas, mentorias e os workshops para o modo online. E, posso dizer, que o formato digital trouxe inúmeros aprendizados importantes para a organização; para cada momento da aceleração, tivemos o cuidado de manter a conexão humana, mesmo em um ambiente digital.
Entender os desafios não óbvios dos empreendedores foi, também, um norteador desse ajuste da metodologia. Ao final, entendemos que o modelo não apenas se mostrou empático e eficiente, como quebrou as barreiras geográficas e permitiu que as mães — empreendedoras selecionadas para o processo de aceleração — pudessem permanecer em seus lares, com os próprios filhos, sem o prejuízo de perder a interação e os conteúdos importantes para o sucesso do negócio que conduzem. Reduzimos as limitações por possíveis questões de mobilidade, o que acho, particularmente, um grande ganho para a inclusão.
Dos muitos negócios de impacto social acelerados e com soluções incríveis, destacamos 6:
- Emperifa
- Monomito Filmes
- Reciclo Beleza Sustentável
- PLT4Way
- Escola de Notícias
- Coletivo Meninas Mahin
Todos eles receberam um capital-semente de R$ 15 mil cada. Um dos negócios é o Monomito Filmes, liderado por Lincoln Pires e Larissa de Souza Costa. A empresa atua no território do Itaim Paulista, zona leste de São Paulo, com produções audiovisuais conduzidas por equipes videomaker, nas quais os profissionais assumem multifunções, reduzindo o custo final. Com foco em atender as periferias, abarca como clientes artistas, músicos, coletivos, entre outros. A empresa tem por objetivo contar histórias e democratizar o acesso à produção audiovisual profissional.
O negócio é resultado da trajetória de Lincoln — fotógrafo que registra a quebrada e a cultura hip hop há mais de 12 anos. Quando entrou no mundo corporativo, para atuar com tecnologia da informação, se sentiu engessado e afastado do que mais gostava. Há quatro anos, juntou coragem e abriu a Monomito Filmes para voltar às origens. O sugestivo nome da produtora é uma alusão à estrutura de obras literárias e cinematográficas — também conhecidas como “jornada do herói” — divididas em três partes: partida do protagonista (herói); iniciação da jornada; e retorno ao ponto inicial.
Hoje, a empresa atua como uma agência audiovisual de impacto que, além de produção, se ocupa da distribuição, em especial para artistas do território. Desde o início das atividades, já impactaram mais de 250 artistas — seja gratuitamente, seja com valores colaborativos e sociais.
Um segundo negócio é a Escola de Notícias — atualmente liderada por Camila Andrade Vaz e Leonardo Pereira dos Santos no bairro de Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Os empreendedores atuam na formação, na ampliação de repertório e na incubação de projetos com a juventude da região. Por meio das tecnologias de informação e comunicação, democratizam o acesso e a ampliação dos direitos sociais, culturais e econômicos dos jovens da região.
Os empreendedores atuam com formação (teórica e prática) em reconhecimento das habilidades socioemocionais, investigação apreciativa e afetiva do território e na vivência técnica de áreas de comunicação (jornalismo, fotografia, cinema, entre outros). Oferecem também bolsas de estudo e mentorias; e possuem uma agência de comunicação focada na disseminação da visão periférica, cujos recursos obtidos são reinvestidos.
Liderada por jovens do território, desde 2013, o negócio de impacto social já formou mais de 100 jovens, desenvolveu mais de 1.800 horas de conteúdo, 36 produtos de comunicação (15 filmes, 7 exposições, 14 produtos jornalísticos), 28 eventos com a comunidade local, e distribuiu 115 bolsas de estudo. O principal objetivo é fomentar um ecossistema que conecta indivíduos, propósitos, ideias e movimentos que transformem a narrativa — até, então, marginalizada — das favelas.
A Emperifa é o terceiro destaque. Empreendido por João Guedes, Márcio Cardoso e Fábio Borges, o negócio pioneiro é especialista em gestão da criatividade para negócios periféricos da indústria criativa. Por meio de metodologia e ferramentas próprias, os fundadores do negócio do território da zona leste de São Paulo despertam e encorajam empreendedores e intraempreendedores a utilizarem soluções criativas para gerar resultados sustentáveis e significativos.
Guedes defende que empreender em periferias é um ato de resistência; e que os desafios — sobretudo de planejamento — podem comprometer os negócios. Para auxiliar os empreendedores a ultrapassar as barreiras, a Emperifa atua com a missão de promover o desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental das periferias por meio de programas específicos para cada etapa do negócio e tempo de maturidade. Em dois anos de atuação, firmaram parcerias de fomento ao empreendedor periférico com diversas organizações e fundações.
A empresa fundada por Diogo Bezerra da Silva e Diego Luiz dos Santos é o quarto destaque. PLT4Way é um negócio de impacto social que oferece o ensino de inglês por meio de uma metodologia imersiva — com aulas situacionais, no qual o aluno aprende o idioma, tanto a gramática quanto a fluência, com situações do cotidiano. Criada na comunidade do Jardim Pantanal, zona leste de São Paulo, a escola surgiu da experiência de Diogo — que, ao aprender inglês, pôde ascender socialmente. Além de democratizar o acesso ao aprendizado do inglês, como contrapartida, a cada três alunos pagantes, os empreendedores oferecem uma bolsa para um morador da periferia. Nesse formato, já atingiram mais de 140 alunos que estudaram gratuitamente. Ao todo, são mais de 300 alunos.
A quinta empresa que destaco foi fundada por Ednusa Ribeiro e Vilma Wicky (em memória) na zona leste de São Paulo. O coletivo Meninas Mahin fomenta o empreendedorismo feminino negro e contribui com o combate às desigualdades raciais mediante atividades afirmativas. Além de um espaço para comercializar produtos — como as mais de 150 feiras realizadas — as empreendedoras podem contar com consultorias e mentorias.
Hoje são 70 mulheres negras, e suas famílias, impactadas diretamente. Graduada em Administração de Empresas e Recursos Humanos, Ednusa é especializada em Gêneros e Etnias e Autogestão, Cooperativas e Economia Solidária. Mulher negra, mãe solo e moradora da periferia, transformou a vivência e expertise em um negócio de impacto social e em resistência. A missão é promover o desenvolvimento social, cultural e econômico de afroempreendedoras — além de promover a integração da comunidade por meio de ações afirmativas que valorizam a história e a cultura afro e afro-brasileira, mediante a realização de feiras e eventos.
Liderada por Fábio Silva e Maria Thereza Alpoim, a Reciclo Beleza Sustentável é o sexto destaque. Trata-se de um negócio de impacto socioambiental, tecnologia e inovação sustentável que busca ampliar as ações verdes de marcas e empresas do segmento de saúde e beleza; moda e têxtil; perfumaria e cosméticos. Os empreendedores ajudam os clientes no processo de descarte correto das embalagens via logística reversa. A empresa — que apoia cooperativas na região metropolitana de São Paulo, em especial nos territórios da zona leste e zona sul da cidade — surgiu da experiência do empreendedor que, como consultor ambiental, teve contato com o conceito de gestão reversa de resíduos.
A empresa possui, também, uma certificação e um selo que atestam que empresas do segmento da beleza estão comprometidas com a questão ambiental. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), o Brasil é, atualmente, o quarto consumidor global de produtos de beleza — o que demonstra a dimensão do problema do descarte desse material.
Nos meses de janeiro e fevereiro de 2020, a Reciclo Beleza conduziu o descarte de mais de um milhão de embalagens aerossol em parceria com duas cooperativas da zona leste de São Paulo. Entre os compromissos, geração de trabalho e renda (parceria com 23 cooperativas da Capital), estímulo à produção e ao consumo sustentáveis.
Com autoralidade e enorme capacidade de execução, esses empreendedores e essas empreendedoras estão mudando o território com inovação e tecnologia social. É nítido que estão desenvolvendo uma nova narrativa para seus pares: os moradores das periferias brasileiras. E mais potência ainda está por vir!
Maure Pessanha é empreendedora e diretora-executiva da Artemisia. Texto publicado originalmente no Blog do Empreendedor — Estadão PME.
Você é empreendedor(a) de um negócio que gera impacto positivo?
Pensando nos desafios que os(as) empreendedores(as) enfrentam para mensurar o impacto de suas soluções, nós da Artemisia nos juntamos à Agenda Brasil do Futuro e à Move Social para lançar o Guia Prático de Avaliação para Negócios de Impacto Social, disponível para download gratuito AQUI.
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